Sinopse de AKBAR — LUNÁRIO POÉTICO DUMA ALMA AINDA ÁRABE (2025), de Nero
- Outro
- 16 de mar.
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“Nero encarna a essência mourisca do Gharb al-Andalus como poucos. [...] Talvez não saiba, mas nesta obra enverga a ‘kandoora’ de mestre e inicia a caminhada de um ‘mahdi’”.
Nuno Campos Inácio, in Prefácio
O regresso de Nero, depois do poemário de raízes autobiográficas Telúria (2023) e da epopeia fantástica Oceano – O Reino das Águas (2021).
Do início da invasão árabe, em 711, à atualidade, passaram — contam os calendários — mais de setecentos anos. Os vestígios da presença e influência destes povos são, contudo, mais do que muitos: das pedras que pisaram e edificaram às línguas que ainda hoje proliferam e que, para todos os efeitos, eternizam a sua herança, pela Península Ibérica e muito além dela.
Só no português, milhares de vocábulos têm origem árabe. Não espanta, portanto, que também a literatura assuma e reclame, legitimamente, essa ascendência. Dizia Fernando Pessoa que “a alma árabe é o fundo da alma portuguesa”. O arabista Adalberto Alves repercute, depois: “o meu coração é árabe”. Nero, perpetuando a mesma linhagem, canta: “há um árabe vivo dentro de mim, ainda”; a que nos versos seguintes acrescenta, embebido no ateísmo místico que não raras vezes o caracteriza: “um ou mais, escuto-os quando cego passeio / e dos caminhos p’ra meca nem vereda”.
Há, em Akbar (“maior”, em árabe; adjetivo que medirá a escala transcendente de Deus), pois, a assumpção inequívoca desta herança, mas há mais: há a viagem às origens do islamismo, desde cedo empenhada em não confundir, necessariamente, o que é da religião com o que é da cultura e em não reduzir os árabes aos praticantes do islão. Inspirado nas fases da lua — o demorado subtítulo Lunário Poético duma Alma ainda Árabe é, propositadamente, mais elucidativo do que o próprio título —, o poeta divide a obra em quatro partes: busca pela origem e expansão da fé islâmica, numa toada simbólica e mística, em quarto crescente; celebra, com fervor popular, a expansão árabe pela Ibéria, em plenilúnio; recupera o tom épico, recriando episódios históricos da queda, em quarto minguante; propõe, em quiasmo, o diálogo e o silêncio como instrumentos essenciais ao perdão, ao convívio e à tolerância, de que se farão as luas novas de qualquer idade.
Espécie de almanaque espiritual, Akbar alinha, ainda, o corpo baço das suas páginas com o tempo e o fulgor das suas constelações poéticas, lapidando influências do sufismo, em quatro interstícios que antecedem ou sucedem cada lunação: “abluções”, “noites sibilantes”, “jejuns” e “meditações”. Um outro, nuclear e fiel ao palíndromo do título, “ovo”, faz-se acompanhar de uma belíssima ilustração em espelho, de inspiração árabe, assinada pelo artista geresiano Miguel de Sousa.
De arquitetura tesselante, de padrões, simetrias, detalhes e leituras inesgotáveis, Akbar – Lunário Poético duma Alma ainda Árabe assume-se como o segundo tomo da anunciada “Trilogia do Espírito”, a trilogia informal iniciada com Telúria (2023). Dedicado “à luz e sombras da cidade de Silves”, de onde Nero é natural, conflui tradição e modernidade e, nelas, a interioridade de cada um e a infinitude que, a existir, gravitará somente entre a memória e os astros — onde se dirimirão quaisquer questões religiosas ou culturais.
De todas as coisas, Akbar concretiza uma, por certo: confirma Nero — na sua metamorfose constante (mas coerente) e na sua ousadia peculiar — como um dos mais interessantes e surpreendentes poetas portugueses da atualidade.
Esta sinopse remete não só para o percurso literário do poeta Nero, assim como a sua metamorfose ao longo das suas três obras, particularmente em AKBAR - LUNÁRIO DE UMA ALMA ÁRABE.
Interessante também saber que a segunda obra da "Trilogia do Espírito" vai beber aos antepassados árabes a cultura, a Língua e a sua imagética presentes na capa e contracapa do livro e, com certeza, nos poemas, num diálogo entre ancestralidade e modernidade.
Natural é, também, a divisão da obra em quatro partes a acompanhar as fases do planeta Lua que dizem o sentir "duma "alma ainda árabe".