Oceano — O Reino das Águas (2021), de Nero | Opinião crítica
- Outro
- 31 de mai. de 2024
- 3 min de leitura

Opinião por Lívia Barros, leitora
[originalmente publicado: Goodreads]
16 janeiro 2022
Há livros que transcendem a própria literatura. São raros, acontecem quando menos se espera. Se tivermos a sorte de um deles ser lançado no nosso tempo corremos o risco de nem sequer nos apercebermos. Vivemos demasiado as coisas do dia-a-dia, os livros que tantas vezes entram pelos olhos e se perdem no esquecimento. O que quero dizer é que é ingrato usar, para falar deste livro, as palavras que usamos para falar de outros tantos. O “Oceano” é um livro meteórico, que nos esfrega na cara a realidade humana com uma frontalidade que nos recusamos a engolir. Sabemos que, se engolirmos, nos afogaremos. E julgamo-nos nós submersos na mais profunda fantasia, a vários níveis da superfície.
“Oceano” distingue facilmente dois tipos de leitores: aqueles que procuram num livro uma história imediata para se satisfazerem e aqueles que encontram num livro o amor pelas palavras, pela mística da construção de uma história (nas suas pequenas e nas suas épicas proporções). Recomecei a leitura deste calhamaço três vezes. A capa olhava para mim da estante, atraía-me mesmo quando não encontrava naquelas páginas aquilo que queria encontrar. Assim que aceitei a sua estranha natureza, permiti-me descobrir o abismo. A cada página, foi-me conquistando mais e mais até que estava lá inteira. No quinto círculo, quando todas as pontas se unem e a guerra é maior, é de dar saltos. Nunca li nada assim!
O worldbuilding é excelente. Assim que reler (e não tenho dúvidas que quero reler) tenho a certeza que ainda vou encontrar mais detalhes e maravilhar-me com eles. É de uma complexidade e riqueza que me deixou atónita! E as personagens? A carga emocional? Os plot twists? Este livro é mais que um murro no estômago, é a dado momento um sufoco e um arrancar de coração. Personagens preferidas: a bruxa do mar Bemah, a sereia Haia e o rei Zoilan. Que rei, que pai. Momentos preferidos: a batalha das sereias (todas as batalhas são de uma ação empolgante!), a cena de bolinha vermelha confesso que, além do choque, é uma viragem total na história. Numa altura em que se fala tanto de representatividade, incrível como a temática LGBT é tratada neste livro e naquela cultura. O final… tudo vale a pena pelo final.
É de ficar sem palavras - falar deste livro é difícil, só lendo. Mas é nosso papel falar dele, porque seria muito injusto se não se falasse de um livro que significou tanto para mim e que pode significar tanto para quem o lê. Chegar ao fim dele é quase como nascer de novo. Melhor leitura do ano passado e que só terminei agora recentemente. Vale a pena saborear a linguagem e a poesia. A escrita do autor é notável, nem quero imaginar o trabalho de estruturar um livro assim, porque o trabalho é hercúleo! Um trabalho grandioso e que, sem dúvida, merece ser lido. Acredito que se tornará uma referência no género fantástico, já que enquanto poema épico é único.
Se gostas de literatura a sério, não tê-lo na estante é uma falha gravíssima!
Recomendadíssimo a todos os amantes de fantasia, épica sobretudo, mas é muito mais que o género em que o possam engavetar. Aliás, este livro não dá para engavetar. Tem tudo para ser um clássico da nossa literatura e há que partir para ele sem preconceitos. Porque acreditem… vão surpreender-se. E muito!
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