Entrevista a Nero (4) — pelo escritor A. M. Catarino

Nero e A. M. Catarino (à esquerda). Feira do Livro de Lisboa, 2023.

A. M. Catarino define-se como sociólogo de formação, formador por vocação, fotógrafo por paixão e escritor por natureza. É autor de variadas obras literárias e fotográficas, tanto a nível individual como coletivo. De entre as distinções e galardões que recebeu destacam-se o Prémio Internacional Books & Movies 2017, com o conto “Panteão”, e o Prémio António de Macedo 2024, com o romance de história alternativa “A Desaparição de Jéssica Canhoto”.

Leitor de Nero, coloca as seguintes questões:

1 — Se pudesse existir um "crossover" entre o universo do teu livro Oceano —O Reino das Águas e o de qualquer outra obra literária, qual seria a tua escolha? Porquê?

Ora aí está uma questão que jamais me ocorreu e que, vinda de alguém que escreve nos meandros da ficção especulativa, talvez seja mais expectável. Não sei, imagino que estejas mais familiarizado com esse tipo de "hipóteses". Pelo menos, a ideia remete-me para aqueles filmes cuja necessidade muitas vezes questiono, uma vez que parecem prescindir da criatividade a bem da mera junção de A+B. Por exemplo, juntam o monstro de uma franquia com o de outra para satisfazer desejos imberbes ou a mera multiplicação do balde das pipocas. Como se juntar duas ideias que resultaram em separado e por si próprias significasse, necessariamente, uma terceira ideia digna de aplauso.

Enfim, toda esta dissertação encerra bastante preconceito da minha parte e refletirá algumas das minhas experiências mais dispensáveis. A criatividade será, à partida, sempre possível e para tudo haverá os bons e os maus exemplos.

Dito isto, a tua pergunta merece-me, evidentemente, uma resposta. Porque é, na verdade, uma óptima pergunta e desafia-me a pensar além daquilo que é o meu horizonte habitual — gosto especialmente do exercício. A minha resposta, contudo, não irá para fora de pé. Não poderia ir. O Oceano — O Reino das Águas é o único dos meus livros do género fantástico — cuja natureza se permitirá, portanto, a este tipo de ideias. No caso do Telúria ou do Akbar — Lunário Poético duma Alma ainda Árabe (cujo lançamento se fará, à data, dentro de muito poucas luas) tal exercício parece totalmente impensável. Nenhum deles desenvolve uma longa narrativa. O Oceano, além de ser um longo poema narrativo, cria um mundo rico em reinos, espécies — cria uma mitologia própria, com a qual seria possível confluir a esfera d'A Pequena Sereia, por exemplo; conto que lhe serviu, em parte, de inspiração. Os dois universos poderiam coexistir perfeitamente. Não no mesmo tempo diegético, claro, mas talvez pudesse ser interessante.

Interessante, mas... necessário? Tenho as minhas dúvidas.

[dar-me-ia jeito, aqui, um daqueles parênteses que se usam na transcrição de entrevistas gravadas: (risos)]

Oceano — O Reino das Águas no Parque Eduardo VII, Lisboa.

2 — Qual seria a personalidade (viva ou já desaparecida) da história, artes ou cultura, com quem gostarias de jantar e conversar durante uma noite inteira? Desaparecida? Tem como não ser Fernando Pessoa? Hoje, Fernando Pessoa. Viva? Com toda a certeza, Simone de Oliveira. Ou Meryl Streep. Como as admiro. Com qualquer um deles poderia falar de tudo, de vida.

3 — O teu livro Telúria é, na minha opinião, uma carta de amor à natureza. Há algum dom da natureza que gostasses de possuir? Qual e porquê? Outra pergunta inusitada. Talvez algum dos poderes daquele Avatar da Nickelodeon. Conseguisse eu manipular um dos cinco elementos; a água, por exemplo, abrindo caminho aos rios, desviando cursos indevidos, atravessando marés, evaporando chuvas por nascer, cobrindo poços e sedes. Talvez esse. Quantos incêndios não apagaria? Lembrei-me, a propósito, daquele verso do Telúria: "Seguirei humano: nenhum fogo apaga um oceano."

Instagram do escritor A. M. Catarino: @a.m.catarino

Saiba mais sobre o autor em www.amcatarino.com