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Entrevista a Nero (3) — pela escritora Natália Augusto

  • Outro
  • 13 de out. de 2024
  • 3 min de leitura

Atualizado: 19 de jan.

Na fotografia: Nero, Natália Augusto e o companheiro Fernando Cardoso. 2024, no evento "Aqui vai livre".


Natália Augusto (também Nathalie de Jésus Armindo) nasceu em França. Com 8 anos, passou a residir em Portugal. Licenciou-se em Línguas e Literaturas Modernas - Estudos Portugueses e Ingleses (via ensino), na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Lecionou Língua e Literatura Portuguesa no 3° Ciclo do Ensino Básico e Secundário e foi Assistente de Língua Portuguesa na Academia de Dijon. Recebeu um prémio revelação de poesia, participou numa coletânea de poesia e, entre 2007 e 2013, publicou dois volumes de uma coleção infantojuvenil. Em 2021, publicou o poemário Poemas do Amanhecer.


Leitora e seguidora atenta do percurso de Nero, coloca-lhe as seguintes questões:


1 - Criou-se a ideia de que "Portugal é um país de poetas". Acreditas nesta espécie de mito?


Mito não será; será mais uma frase feita. Um dito com o seu quê de romântico e que, facilmente, poderá reduzir aquele que é o ofício árduo de produzir e esculpir um poema. É claro que a democratização da educação, mais ou menos conseguida sobretudo a partir do século XX, facilitou aquilo a que podemos designar por "poesia popular". Na minha infância, nos anos 90, quantos não foram os avós que conheci que escreviam umas quadras, uns versos — muitos nem teriam a "quarta classe". Saber escrever proporcionou o exercício criativo a larga escala e permitiu esse tipo de poesia. Em alguns casos, ter-se-ão aproveitado poemas, com qualidades mais ou menos reconhecíveis. Isso, por si só, não garante, evidentemente, "um país de poetas". Qualquer um pode escrever uns versos, mas a grande maioria não terá qualidade suficiente para que se inscrevam numa espécie de memória literária portuguesa.

Podemos, por outro lado, entender a expressão noutro sentido: num sentido lato; porém, não me revejo nesse entendimento de poesia, que considera poesia tudo o que é belo, ainda que se ausencie da palavra. Nesse caso, não faltariam poetas, mesmo de boca fechada. Não há, para mim, poesia sem palavras. O bater de asas de uma borboleta pode deslumbrar, mas só tem potencial poético a partir da palavra.

Assim sendo, creio que Portugal não será mais "um país de poetas" do que um país de qualquer outra coisa. Atualmente, com as redes sociais — nas quais também me mexo — pululam novos poetas que escrevem poemas à velocidade de um clique. Nada contra, é mais uma forma de expressão: às vezes, artística; às vezes, absolutamente estéril. Há de tudo. Ninguém se torna poeta através de um perfil de Instagram, onde publique frases mais ou menos sonantes, mais ou menos interessantes, na colagem dos dias. Ser poeta aliará o domínio ou a experiência da palavra a uma alma absolutamente sensível, capaz de recriar esta impermanência de estar vivo enquanto se não morre. É coisa para poucos, sobretudo num tempo em que os dicionários se reduzem a uma mão cheia de palavras, num período em que os verbos se desenraízam da etimologia e a inteligência artificial se dá ares de poeta.


 2 - Quem são os poetas de hoje? 


Somente os que nos sobreviverem.


 3 - As editoras têm culpa por não publicarem mais poesia? 


Tendo a não alimentar muitos dos discursos que circulam à volta das questões editoriais. A mim o que me interessa é a poesia, a literatura — as editoras vêm depois e não fazem parte da essência do que é a poesia e a literatura.

Há pequenas editoras que vivem pela arte e não pelo dinheiro. Fazem um trabalho notável, mas sempre insuficiente. Só há uma forma de mantê-las: é comprar-lhes os livros. Para lhes comprar os livros, é preciso cultivar gerações para a arte. Esse cultivo será sempre, muito provavelmente, uma guerra inglória. Todavia, o que tem sido a arte senão, também ou sobretudo, a coleção das batalhas perdidas? Há na perda a vitória.

Agora, claro, o mundo dos livros não é imune ao mundo-ele-mesmo. Ou seja, também o mundo dos livros sobrevive numa cultura que privilegia os livros da moda e as grandes editoras, como se a qualidade literária se medisse, essencialmente, em números. Isto leva-nos novamente à educação e à necessidade de educar para a arte e às batalhas inglórias...

À "culpa" prefiro a palavra "responsabilidade". E a responsabilidade será, como sabemos, partilhada por todos.


 4 - O que te cativa na poesia?


A potência — dos sons e dos sentidos; e a forma como eles ordenam ou se propõem a ordenar a efémera confusão humana.

Na fotografia: Nero e Natália Augusto, na sessão de autógrafos do poeta na Feira do Livro de Lisboa, em 2023.

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